20111124

Lua

Papai me disse hoje:

- Nada é impossível. Você quer ir à lua? Você pode ir.
- Eu quero ir à lua.
- É só estudar. Vai demorar, mas vais conseguir.


CATEGORIA: Imaginação

20111117

VERSÕES

Ele cozinhou como se fosse a última vez. Cortou a carne em cubos, separou os temperos, escolheu as batatas, lavou o arroz e apanhou as melhores panelas da casa. Fez tudo com muito gosto. Concentrado. Medindo cada dose. Aquecendo em fogo baixo e deixando o cheiro exalar pela casa inteira.
Preparou o suco e foi arrumar a mesa. Apagou o fogo. Entrou no banheiro e se banhou. Depois de dez minutos na água fria, foi jantar. Pôs-se à mesa e olhou para cada comida. Sorriu e se serviu. Sozinho. Sem música, sem vozes, sem telefones tocando.
A janta era toda dele.

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- Mãe, já são mais de oito horas, estou com fome!

Disse o menino esticando a blusa e com os olhos vermelhos de sono.
Mas Rosa não tinha apetite ainda. Queria esperar o marido chegar. E não importava como chegaria. Bêbado, sóbrio, mudo ou sorridente.
Ela fizera o prato preferido dele: arroz carreteiro e filé mal passado. Deu trabalho!
Deixou os meninos na casa da irmã e passou a manhã no mercado. Escolheu todos os ingredientes. Cozinhou lembrando dos doze anos juntos.
Na comida, sorrisos e lágrimas. Mais lágrimas. De felicidade, de raiva, de medo, de esperança, de rancor. Ela preparou tudo e o esperou. Não deixou ninguém tocar na comida. A fome das crianças não a importava.
Naquela noite, ela só queria que ele chegasse.
Era uma quinta-feira. Fazia calor. E o calendário da cozinha datava o dia 23 de agosto de 2001.

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Enxotou as amigas do apartamento. Arrumou a sala, passou o vestido novo e foi para a cozinha. Não sabia o que poderia preparar. Macarrão? Risoto? Panquecas? Delivery?
Olhou o molho de tomate preparado, conferiu as horas e escolheu o macarrão.
Fez tudo rápido. Deixou a tampa da panela cair, derramou molho na toalha de mesa, deixou a cebola queimar no óleo quente e entre os palavrões, sorria.
Aprontou tudo, checou o vinho e foi se arrumar. Vestido, batom, perfume.
O interfone tocou. Ela mandou subir.
O jantar já estava servido. Mesa para dois.

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- Passa o arroz.
- Quer refrigerante?
- Essa é a cadeira do teu avô, senta na outra.

Dois galetos, uma panela de arroz, feijão requentado, saladas, bolinhos de bacalhau, ovos cozidos, farofa, suco e refrigerante. A mesa estava farta. Tio Augusto veio de São Paulo. Avô, avó, tios, tias, crianças e cachorro.
A toalha já estava suja, o bebê virou o copo descartável e banhou a mãe.
A prima adolescente decretou que a louça não era com ela e o garanhão não desgrudava do celular.
Hoje a janta vai ser divertida!
Pobre da tia solteira, que só vai olhar e fingir sorrisos sinceros.

CATEGORIA: Rotina

20111106

No meio do ano

(4 de junho de 2009)

Meu bem,

Não precisas de uma estação para dizer o que somos.
Em todas firmo o sentimento plantado há anos.
Não andamos em círculos.
Juntos, escalamos montes e colinas tentando chegar ao topo.

E a felicidade só vem após as pedras.
No sapato ou no meio do caminho.
No verão que chega ou na primavera que se esconde.

Não precisas de um equinócio para perceber as próprias mudanças.
Ver as folhas caindo para crer que um novo tempo começa nem sempre é o certo.
Perceba isso todos os dias. Em todas as chances.
Cada estação é diferente.

Um outono nunca é igual ao anterior.
E as dúvidas sanam com o tempo.
Com o vento, com a chuva e o sol.

O meio do ano chegou.
O pico pode estar longe.
Mas caminhamos bem.

Juntos.
Sempre.

CATEGORIA: ROTINA

20111101

Redescobrir

- Tereza, para onde você vai assim?
- Vou quebrar as regras.
- E precisa ser desse jeito? Com essas botas?
- Sim.
- E não vai dar explicações?
- Não.
- No duro?
- Pra que tantas perguntas?
- Tereza, te conheço como a palma de minha mão. Por que isso agora?
- Se não for agora, será amanhã, ou depois.
- E isso é bom?
- Depende para quem.
- Pra você?
- Certeza.
- Pra mim?
- Incerteza.
- Bem, se você vai quebrar as regras, posso ir junto?
- Não.
- Pouco importo, então.
- Ótimo! Melhor pra você, acredite.
- Tereza. Essa firmeza toda machuca, sabia?
- Sei disso.
- E não sentes nada?
- Não. Não dessa vez.
- Não mereço mais tua dor?
- Não mereces minhas respostas.
- Que barra!
- Preciso ir.
- Com essas botas?
- Sim.
- Estão horríveis!
- Nada do que você falar vai deter o que eu quero.
- Quer quebrar as regras?
- Foi minha primeira frase da noite.
- E não quer que eu te acompanhe?
- Não é não.
- Você vai voltar?
- É claro.
- Por que?
- Porque meu lugar é aqui.
- É Tetê, você ainda é um mistério.
- Isso é bom. Acredite.
- Não sei.
- Boa noite.
- Não demore.
- Não prometo.

CATEGORIA: Imaginação