(no avião)
Foi no avião que Bernardo viu Lígia pela primeira vez. Lígia já tinha visto Bernardo na sala de embarque, mas como havia esquecido sua jaqueta em um banco do lado de fora, teve que sair correndo para buscar. Por isso, Bernardo não a viu antes.
Sem conseguir recuperar a jaqueta, foi embarcando pensando no frio que iria sentir durante o vôo e na escala em São Paulo. Vestindo jeans e camiseta vermelha, Lígia se arrependeu, durante os cinco passos que deu no corredor do avião, de ter cortado o cabelo há dois dias. Pelo menos com o cabelo comprido ela podia cobrir as costas que sempre ficavam arrepiadas no frio.
Enquanto Lígia pensava no frio, na jaqueta, no cabelo e procurava sua poltrona, Bernardo já estava sentado. Bem acomodado, ouvia música em seu mp3 e batucava os dedos no ritmo de “Lucy in the Sky of Diamonds”, dos Beatles. Olhando para o chão e curtindo a música ele viu um tênis branco, o mesmo modelo que usava, se aproximar. Contou cinco passos. O par de tênis parou junto aos seus.
- Oi, dá licença?
(A girl with kaleidoscope eyes)
Bernardo ouviu exatamente esse verso olhando para os movimentos dos lábios de Lígia que lhe pedia licença para passar. Antes do refrão, ele olhou os olhos dela. Azuis, verdes, cinzas. Não soube definir a cor exata.
Ainda pensando no frio, Lígia, que queria logo sentar para se abrigar na poltrona fez gestos apontando para os ouvidos para que Bernardo tirasse os fones para ouvi-la.
Mesmo sem querer interromper a música, Bernardo optou por tirar os fones para ouvir Lígia. E ele os tirou devagar formando no mesmo ritmo um sorriso meio sedutor, meio admirado.
Nesse momento, Lígia se irritava com a lentidão que a fazia sentir mais frio. Mas ela também deixou formar um sorriso meio irônico, meio encantado pelo jeito de Bernardo.
Na verdade, várias garotas que estavam no avião admiraram Bernardo. Moreno, um rosto bonito de traços perfeitos, altura certa para qualquer homem. Vestia roupas bonitas e um tênis branco. Como o de Lígia.
Sorrindo e falando ao mesmo tempo, Lígia pediu licença novamente. Bernardo se desculpou e levantou para abrir caminho até a poltrona ao lado.
Enfim, sentou e aqueceu as costas na poltrona. Nesse momento ela pensou no frio, na jaqueta, no cabelo e no rapaz ao lado – Bernardo, que apontou para os pés e disse:
- Gostei do tênis.
- Percebi. – Falou Lígia balançando a cabeça.
- Frio?
-Muito. Eu esqueci minha jaqueta.
- Vai pra São Paulo?
- Brasília.
Durante a conversa Bernardo não desviou o olhar do rosto de Lígia que respondia rápido, com medo de explicar muito e acabar falando bobagens já que sua atenção era desviada consecutivamente para o olhar, a boca e a camisa de Bernardo.
- Usa a minha. – Bernardo estendeu sua jaqueta preta de naylon para Lígia.
- Não, Imagina – Lígia pensou no frio, na sua jaqueta, na jaqueta de Bernardo e no seu cabelo.
- Pode usar. Está limpinha.
Lígia com um olhar hesitante pegou a jaqueta, sorriu e deixou escapar:
- Ai, que situação.
- Culpa sua.
- Do que?
- Da situação. – Respondeu Bernardo mostrando os dentes e molhando os lábios.
Lígia vestiu a jaqueta. Um pouco grande, mas serviu para aquecê-la. Depois de vestir, ela pensou no frio, na jaqueta de Bernardo, no seu cabelo e na boca de Bernardo.
CATEGORIA: Imaginação
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