20111204

Que piranha!


- Ela abaixou a calcinha e disse: vem. Aí, já viu.
- Mas que safada! Ele te disse isso mesmo?
- Isso. Sem-vergonhice pura.
- Menina. Eu sabia que ela não prestava mas isso já é demais.

Elza contava à Carmen o que havia acontecido há um mês, quando Júnior começou a sair com Nice. As vizinhas compartilhavam as informações, levantavam suspeitas e aumentavam versões. Há muito tempo esperavam uma bomba dessas. Só para poderem ter o que falar de Nice. A moradora mais nova da vila que sempre chegava de táxi e saía de salto para o trabalho.

Num domingo, quando elas caminhavam até a igreja para ir ao culto, Elza viu Júnior sair do bar sorrindo. Mil e uma caraminholas surgiram em sua mente. Nem prestou atenção nas palavras do pastor. Chegou em casa e foi logo perguntar ao primo o motivo de tanta alegria às sete da manhã de um domingo.

- Felicidade lá escolhe hora? Me deixa dormir.

Encucou. Foi até a casa de Carmem tentar saber o que tinha para o almoço e também para imaginar verdades. Júnior não era de virar a noite assim. Trabalhava, estudava e só tinha dezenove.

Bem mais tarde, Elza soube o que acontecera. E foi pela própria boca de seu primo.

- Sabe aquele dia que eu saí do bar de manhã, num domingo? E tu foste me acordar depois pra saber o que tinha acontecido?
- O que tem?
- A Nice chegou lá de noite. Comprou cigarro, tomou umas cervejas e ficava cantando algumas músicas que estavam tocando. Ela estava sozinha. De vez em quando descruzava as pernas e dava pra ver a calcinha. Todo o mundo ficava olhando. Depois de um tempo, ela levantou e foi falar comigo. Perguntou a minha idade e riu que só quando eu respondi. Ela saiu de perto e parou de beber. Ficou na porta do bar. Deu duas, deu três da manhã. Um pessoal já tinha ido embora. E eu já estava cansado. Cheguei na porta pra sair e ela me parou. Me puxou até o banheiro.
- Na frente de todo o mundo?
- Tinha umas três pessoas que nem eram daqui.
- E aí?
- A gente ficou. No banheiro. Ela abaixou a calcinha e disse: vem.

(...)

Pausa para o espanto de Elza. Ela disse que não queria mais saber da história e nem por decreto imaginaria a cena. Era pecado, e dos graves. Por isso mesmo teve raiva. Não de Júnior por ter se entregado ao "erro". Mas de Nice. Bonita, cabelo cheiro de frutas, boca grande e um quadril que todos os homens olhavam.

Elza teve raiva daquela mulher que fazia mal ou bem, depende do grau de prazer ou arrependimento. Ela teve raiva de Nice por Nice poder fazer o que bem queria, onde e como quisesse. Elza não. Vai ver ninguém nunca quis fazer tal safadeza com Elza.

Correu e foi contar à Carmem.

(...)

- E ela abaixou a calcinha e disse: vem. Aí, já viu.
- Mas que safada! Ele te disse isso mesmo?
- Isso. Sem-vergonhice pura.

CATEGORIA: Imaginação

20111124

Lua

Papai me disse hoje:

- Nada é impossível. Você quer ir à lua? Você pode ir.
- Eu quero ir à lua.
- É só estudar. Vai demorar, mas vais conseguir.


CATEGORIA: Imaginação

20111117

VERSÕES

Ele cozinhou como se fosse a última vez. Cortou a carne em cubos, separou os temperos, escolheu as batatas, lavou o arroz e apanhou as melhores panelas da casa. Fez tudo com muito gosto. Concentrado. Medindo cada dose. Aquecendo em fogo baixo e deixando o cheiro exalar pela casa inteira.
Preparou o suco e foi arrumar a mesa. Apagou o fogo. Entrou no banheiro e se banhou. Depois de dez minutos na água fria, foi jantar. Pôs-se à mesa e olhou para cada comida. Sorriu e se serviu. Sozinho. Sem música, sem vozes, sem telefones tocando.
A janta era toda dele.

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- Mãe, já são mais de oito horas, estou com fome!

Disse o menino esticando a blusa e com os olhos vermelhos de sono.
Mas Rosa não tinha apetite ainda. Queria esperar o marido chegar. E não importava como chegaria. Bêbado, sóbrio, mudo ou sorridente.
Ela fizera o prato preferido dele: arroz carreteiro e filé mal passado. Deu trabalho!
Deixou os meninos na casa da irmã e passou a manhã no mercado. Escolheu todos os ingredientes. Cozinhou lembrando dos doze anos juntos.
Na comida, sorrisos e lágrimas. Mais lágrimas. De felicidade, de raiva, de medo, de esperança, de rancor. Ela preparou tudo e o esperou. Não deixou ninguém tocar na comida. A fome das crianças não a importava.
Naquela noite, ela só queria que ele chegasse.
Era uma quinta-feira. Fazia calor. E o calendário da cozinha datava o dia 23 de agosto de 2001.

::::::::

Enxotou as amigas do apartamento. Arrumou a sala, passou o vestido novo e foi para a cozinha. Não sabia o que poderia preparar. Macarrão? Risoto? Panquecas? Delivery?
Olhou o molho de tomate preparado, conferiu as horas e escolheu o macarrão.
Fez tudo rápido. Deixou a tampa da panela cair, derramou molho na toalha de mesa, deixou a cebola queimar no óleo quente e entre os palavrões, sorria.
Aprontou tudo, checou o vinho e foi se arrumar. Vestido, batom, perfume.
O interfone tocou. Ela mandou subir.
O jantar já estava servido. Mesa para dois.

::::::::

- Passa o arroz.
- Quer refrigerante?
- Essa é a cadeira do teu avô, senta na outra.

Dois galetos, uma panela de arroz, feijão requentado, saladas, bolinhos de bacalhau, ovos cozidos, farofa, suco e refrigerante. A mesa estava farta. Tio Augusto veio de São Paulo. Avô, avó, tios, tias, crianças e cachorro.
A toalha já estava suja, o bebê virou o copo descartável e banhou a mãe.
A prima adolescente decretou que a louça não era com ela e o garanhão não desgrudava do celular.
Hoje a janta vai ser divertida!
Pobre da tia solteira, que só vai olhar e fingir sorrisos sinceros.

CATEGORIA: Rotina

20111106

No meio do ano

(4 de junho de 2009)

Meu bem,

Não precisas de uma estação para dizer o que somos.
Em todas firmo o sentimento plantado há anos.
Não andamos em círculos.
Juntos, escalamos montes e colinas tentando chegar ao topo.

E a felicidade só vem após as pedras.
No sapato ou no meio do caminho.
No verão que chega ou na primavera que se esconde.

Não precisas de um equinócio para perceber as próprias mudanças.
Ver as folhas caindo para crer que um novo tempo começa nem sempre é o certo.
Perceba isso todos os dias. Em todas as chances.
Cada estação é diferente.

Um outono nunca é igual ao anterior.
E as dúvidas sanam com o tempo.
Com o vento, com a chuva e o sol.

O meio do ano chegou.
O pico pode estar longe.
Mas caminhamos bem.

Juntos.
Sempre.

CATEGORIA: ROTINA

20111101

Redescobrir

- Tereza, para onde você vai assim?
- Vou quebrar as regras.
- E precisa ser desse jeito? Com essas botas?
- Sim.
- E não vai dar explicações?
- Não.
- No duro?
- Pra que tantas perguntas?
- Tereza, te conheço como a palma de minha mão. Por que isso agora?
- Se não for agora, será amanhã, ou depois.
- E isso é bom?
- Depende para quem.
- Pra você?
- Certeza.
- Pra mim?
- Incerteza.
- Bem, se você vai quebrar as regras, posso ir junto?
- Não.
- Pouco importo, então.
- Ótimo! Melhor pra você, acredite.
- Tereza. Essa firmeza toda machuca, sabia?
- Sei disso.
- E não sentes nada?
- Não. Não dessa vez.
- Não mereço mais tua dor?
- Não mereces minhas respostas.
- Que barra!
- Preciso ir.
- Com essas botas?
- Sim.
- Estão horríveis!
- Nada do que você falar vai deter o que eu quero.
- Quer quebrar as regras?
- Foi minha primeira frase da noite.
- E não quer que eu te acompanhe?
- Não é não.
- Você vai voltar?
- É claro.
- Por que?
- Porque meu lugar é aqui.
- É Tetê, você ainda é um mistério.
- Isso é bom. Acredite.
- Não sei.
- Boa noite.
- Não demore.
- Não prometo.

CATEGORIA: Imaginação